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As Crônicas de gelo e fogo - Livro um- A guerra dos tronos - Catelyn (7)

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As Crônicas de gelo e fogo - Livro um- A guerra dos tronos - Catelyn (7) Empty As Crônicas de gelo e fogo - Livro um- A guerra dos tronos - Catelyn (7)

Mensagem por Humberto Lopes Sáb Out 06, 2012 6:06 pm

Catelyn


Entre todos os quartos da Torre Grande de Winterfell, os
aposentos de Catelyn eram os mais freqüentes. Ela raramente
tinha de acender uma fogueira. O castelo tinha sido
construído sobre nascentes naturais de água quente, e as
águas escaldantes corriam pelas suas paredes e quartos como
sangue pelo corpo de um homem, afastando o frio dos salões
de pedra, enchendo os jardins de vidro com um calor úmido,
impedindo o congelamento da terra. Lagoas ao ar livre
fumegavam noite e dia numa dúzia de pequenos pátios. Isso,
no verão, era coisa pouca; no inverno, era a diferença entre a
vida e a morte.
O banho de Catelyn era sempre quente e cheio de vapor, e
suas paredes, mornas ao toque. O calor lembrava-lhe
Correrrio, dias ao sol com Lysa e Edmure, mas Ned nunca
conseguira se habituar. Os Stark eram feitos para o frio, dizialhe,
e ela ria e respondia que neste caso tinham certamente
construído seu castelo no lugar errado.
Por isso, quando terminaram, Ned rolou e saltou para fora da
cama, como já fizera mil vezes antes. Atravessou o quarto,
afastou as pesadas tapeçarias e abriu as altas e estreitas
janelas uma a uma, deixando entrar o ar da noite.
O vento rodopiou à sua volta quando parou para olhar a
escuridão, nu e de mãos vazias. Catelyn puxou as peles até o
queixo e o observou. Parecia de certo modo menor e mais
vulnerável, como o jovem com quem se casara no septo de
Correrrio havia quinze longos anos. Seus rins ainda doíam da
urgência do amor. Era uma dor boa. Conseguia sentir a
semente dele dentro de si. Rezou para que pudesse aí brotar.
Tinham-se passado três anos desde Rickon. Ela não era velha
demais. Podia lhe dar outro filho.
- Vou dizer-lhe que não - disse Ned quando se voltou de novo
para ela. Tinha os olhos assombrados por fantasmas e a voz
espessa de dúvidas.
Catelyn sentou-se na cama.
- Não pode. Não deve.
- Meus deveres estão aqui no Norte. Não tenho nenhum
desejo de ser a Mão de Robert.
- Ele não o compreenderá. E agora um rei, e os reis não são
como os outros homens. Se se recusar a servi-lo, ele quererá
saber por que, e mais cedo ou mais tarde começará a suspeitar
de que se opõe a ele. Não vê o perigo em que nos colocaria?
Ned abanou a cabeça, recusando-se a acreditar.
- Robert nunca me faria mal, nem a nenhum dos meus.
Éramos mais próximos que irmãos. Ele me adora. Se lhe
disser que não, ele rugirá, praguejará e estrondeará, e uma
semana mais tarde estaremos juntos a rir do assunto. Conheço
o homem!
- Conhece o homem - disse ela. - O rei é um estranho para
você - Catelyn recordava o lobo gigante morto na neve, com o
chifre quebrado profundamente alojado na garganta. Tinha
de fazê-lo compreender. - O orgulho é tudo para um rei, meu
senhor. Robert percorreu toda esta distância para vê-lo, para
lhe trazer estas grandes honrarias, não pode atirá-las à cara.
- Honrarias? - Ned soltou uma gargalhada amarga.
- Aos seus olhos, sim - disse ela.
- E aos seus?
- Aos meus também - exclamou ela, agora zangada. Por que
ele não compreendia? - Oferece o próprio filho em casamento
à nossa filha, que outro nome daria a isso? Sansa pode vir um
dia a ser rainha. Os filhos deles poderão governar da Muralha
até as montanhas de Dorne. O que tem isso de errado?
- Deuses, Catelyn, Sansa tem só onze anos - Ned respondeu. -
E Joffrey... Joffrey é... Ela acabou a frase por ele.
- ... príncipe da coroa e herdeiro do Trono de Ferro. E eu só
tinha doze anos quando meu pai me prometeu ao seu irmão
Brandon.
Aquilo trouxe um trejeito amargo aos lábios de Ned.
- Brandon. Sim. Brandon saberia o que fazer. Sabia sempre.
Tudo estava destinado a Brandon. Você, Winterfell, tudo. Ele
nasceu para ser Mão do Rei e pai de rainhas. Eu nunca pedi
para que este cálice me fosse transmitido.
- Talvez não - disse Catelyn -, mas Brandon está morto, o
cálice foi transmitido, e agora você deve beber dele, goste ou
não.
Ned virou-lhe as costas, devolvendo o olhar à noite. E ficou
observando talvez a lua e as estrelas, talvez as sentinelas na
muralha.
Então Catelyn enterneceu-se ao ver sua dor. Eddard Stark
casara com ela ocupando o lugar de Brandon, como mandava
o costume, mas a sombra do irmão morto ainda pairava entre
eles tal como a outra, a sombra da mulher que dera à luz seu
filho bastardo.
Preparava-se para se aproximar dele quando alguém bateu à
porta, sonora e inesperadamente. Ned virou-se, franzindo o
olho.
- Que é?
A voz de Desmond soou através da porta.
- Senhor, Meistre Luwin está lá fora e suplica uma audiência
urgente.
- Disse-lhe que deixei ordens para não ser incomodado?
- Sim, senhor. Ele insiste.
- Muito bem. Mande-o entrar,
Ned atravessou o quarto na direção de um roupeiro e enfiouse
num roupão pesado. Catelyn subitamente percebeu como
tinha ficado frio. Sentou-se na cama e puxou as peles até o
queixo.
- Talvez devêssemos fechar as janelas - sugeriu.
Ned anuiu de forma ausente. Meistre Luwin foi introduzido
no aposento.
O meistre era um pequeno homem cinzento, como seus olhos,
rápidos, que viam muito. Os cabelos, o pouco que os anos lhe
tinham deixado, eram cinzentos. Sua toga era de lã cinza
ornamentada com pelo branco, as cores dos Stark. As grandes
mangas pendentes tinham bolsos escondidos no interior.
Luwin passava a vida a enfiar coisas nessas mangas e a delas
extrair outras mais: livros, mensagens, estranhos artefatos,
brinquedos para as crianças. Com tudo o que mantinha
escondido nas mangas, Catelyn surpreendia-se de o Meistre
Luwin ser capaz de erguer os braços.
O meistre esperou até que a porta fosse fechada atrás de si
antes de falar.
- Meu senhor - disse a Ned -, perdoe-me por perturbar seu
descanso. Foi-me deixada uma mensagem.
Ned parecia irritado.
- Foi-lhe deixada? Por quem? Chegou um cavaleiro? Não fui
informado.
- Não houve nenhum cavaleiro, senhor. Apenas uma caixa de
madeira esculpida, deixada sobre a mesa do meu observatório
enquanto eu cochilava. Meus servos não viram ninguém, mas
deve ter sido trazida por alguém da comitiva do rei. Não
recebemos nenhum outro visitante vindo do Sul.
- Uma caixa de madeira, você diz? - falou Catelyn.
- Lá dentro vinha uma nova lente de qualidade para o
observatório, aparentemente proveniente de Myr. Os
fabricantes de lentes de Myr não têm igual,
Ned franziu a testa. Catelyn sabia que ele tinha pouca
paciência para aquele tipo de coisa.
- Uma lente - disse. - Que tem isso a ver comigo?
- Fiz-me a mesma questão - disse o Meistre Luwin. - Era claro
que havia ali mais do que parecia.
Sob o peso de suas peles, Catelyn estremeceu.
- Uma lente é um instrumento para auxiliar a visão.
- De fato, é - o meistre levou os dedos ao colar da sua ordem;
uma corrente pesada, apertada em torno do pescoço sob a
toga, com cada elo forjado de um metal diferente.
Catelyn podia sentir o terror a agitar-se de novo dentro dela.
- O que é que eles querem que vejamos mais claramente?
- Foi isto mesmo o que me perguntei. - Meistre Luwin retirou
um papel muito bem enrolado de dentro da manga. -
Encontrei a verdadeira mensagem escondida num fundo falso
quando desmantelei a caixa em que a lente tinha vindo, mas
não é para os meus olhos.
Ned estendeu a mão.
- Então dê-me.
Luwin não se mexeu.
- Meus perdões, senhor. A mensagem também não é para o
senhor. Está marcada para os olhos da Senhora Catelyn, e
apenas para ela. Posso me aproximar?
Catelyn anuiu, faltando-lhe a confiança necessária para falar.
O meistre colocou o papel na mesa ao lado da cama. Estava
selado com uma pequena gota de cera azul. Luwin fez uma
reverência e começou a retirar-se.
- Fique - ordenou-lhe Ned. Sua voz era grave. Olhou para
Catelyn.
- Que se passa? Senhora, está tremendo.
- Tenho medo - ela admitiu. Esticou o braço e pegou na carta
com mãos trementes. As peles caíram, revelando sua nudez
olvidada. Na cera azul encontrava-se o selo do falcão e da lua
da Casa Arryn, - É de Lysa - Catelyn olhou para o marido. -
Não o deixará contente - ela disse ao marido. - Há dor nesta
mensagem, Ned. Posso senti-la.
Ned franziu a sobrancelha, e uma sombra cobriu seu rosto.
- Abra-a.
Catelyn quebrou o selo.
Seus olhos moveram-se sobre as palavras. A princípio pareceu
não encontrar nenhum sentido. Mas depois se recordou.
- Lysa não deixou nada ao acaso. Quando éramos meninas,
tínhamos uma língua privada.
- Consegue lê-la?
- Sim - admitiu Catelyn.
- Então nos conte o que diz.
Talvez deva me retirar - disse o Meistre Luwin.
- Não - Catelyn pediu. - Precisaremos do seu aconselhamento
- atirou as peles para o lado e saiu da cama. Ao caminhar pelo
aposento, sentiu na pele nua o ar da noite, tão frio como uma
sepultura.
Meistre Luwin afastou o olhar. Até Ned pareceu chocado.
- Que está fazendo? - perguntou.
- Estou acendendo o fogo - ela informou. Encontrou um
roupão e encolheu-se para dentro dele, ajoelhando-se depois
junto à lareira fria.
- O Meistre Luwin... - começou Ned.
- O Meistre Luwin pôs no mundo todos os meus filhos - disse
Catelyn. - Isto não é hora para falsos pudores - enfiou o papel
entre os gravetos e colocou os troncos mais pesados por cima.
Ned atravessou o quarto, agarrou-lhe o braço e a pôs de pé.
Segurou-a assim, com o rosto a polegadas do dela.
- Minha senhora, diga! O que era esta mensagem?
Catelyn ficou tensa sob o aperto.
- Um aviso - disse com suavidade. - Se tivermos perspicácia
para escutá-lo. Os olhos dele perscrutaram seu rosto.
- Prossiga.
- Lysa diz que Jon Arryn foi assassinado. Os dedos dele
endureceram no seu braço.
- Por quem?
- Os Lannister - ela disse. - A rainha,
Ned largou o braço. Havia profundas marcas vermelhas na
pele dela.
- Deuses - murmurou. Sua voz estava rouca. - Vossa irmã está
doente de dor. Não pode saber o que diz.
- Mas sabe - disse Catelyn. - Lysa é impulsiva, sim, mas esta
mensagem foi cuidadosamente planejada, e inteligentemente
escondida. Ela sabia que, se a carta caísse nas mãos erradas,
isto significaria a morte. Para arriscar tanto, deve ter mais
que meras suspeitas - Catelyn olhou para o marido. - Agora
realmente não temos escolha. Você tem de ser a Mão de
Robert. Tem de ir com ele para o Sul e saber a verdade.
Viu de imediato que Ned tinha chegado a uma conclusão
muito diferente.
- As únicas verdades que conheço estão aqui. O Sul é um
ninho de víboras que eu faria bem em evitar.
Luwin puxou a corrente de seu colar no local onde lhe irritara
a pele suave da garganta.
- A Mão do Rei possui grande poder, senhor. Poder para
descobrir a verdade sobre a morte de Lorde Arryn, para
trazer seus assassinos à justiça do rei. Poder para proteger a
Senhora Arryn e seu filho, se o pior se confirmar.
Ned olhou desamparado em torno do aposento. O coração de
Catelyn apiedou-se dele, mas sabia que ainda não podia tomálo
nos braços. Primeiro a vitória tinha de ser conseguida, para
o bem de seus filhos.
- Você diz que ama Robert como a um irmão. Gostaria de ver
seu irmão rodeado pelos Lannister?
- Que os Outros levem os dois - murmurou Ned em tom
sombrio. Virou-lhes as costas e foi até a janela. Ela nada
disse, assim como o meistre. Esperaram, calados, enquanto
Eddard Stark dizia um silencioso adeus à casa que amava.
Quando por fim se afastou da janela, tinha a voz cansada,
repleta de melancolia, e um leve brilho úmido nos cantos dos
olhos. - Meu pai foi uma vez para o Sul, a fim de responder à
convocatória de um rei. Nunca mais regressou para sua casa.
- Um tempo diferente - disse Meistre Luwin. - Um rei
diferente.
- Sim - disse Ned com uma voz entorpecida. Sentou-se numa
cadeira perto da lareira. -Catelyn, você ficará aqui em
Winterfell.
As palavras foram como um sopro gelado que atravessava seu
coração.
- Não - respondeu, de súbito temerosa. Seria aquela a sua
punição? Nunca voltar a ver o rosto dele, nem sentir seus
braços em volta do seu corpo?
- Sim - disse Ned, num tom de quem não toleraria discussões.
- Deve governar o Norte em meu nome enquanto trato dos
recados de Robert. Tem de haver sempre um Stark em
Winterfell. Robb tem catorze anos. Em breve será homem
feito. Tem de aprender a governar, e eu não estarei aqui para
ajudá-lo. Faça-o tomar parte dos conselhos. Ele tem de estar
pronto quando sua hora chegar.
- Que os deuses permitam que ela não chegue por muitos anos
- murmurou Meistre Luwin.
- Meistre Luwin, confio em vós como no meu próprio sangue.
Dê à minha esposa a sua voz em todas as coisas grandes e
pequenas. Ensine a meu filho aquilo que ele precisa saber. O
inverno está para chegar.
Meistre Luwin anuiu com gravidade. Então caiu o silêncio,
até Catelyn reunir coragem e colocar a questão cuja resposta
mais temia.
- E as outras crianças?
Ned levantou-se e tomou-a nos braços, trazendo-lhe o rosto
para junto do seu.
- Rickon é muito novo - disse, com suavidade. - Deve ficar
aqui contigo e com Robb. Os outros levarei comigo.
- Eu não suportaria - disse Catelyn, tremendo.
- Tem de suportar - disse ele. - Sansa deverá desposar Joffrey,
isto é agora claro; não devemos lhes dar bases para suspeitar
da nossa devoção. E já é mais que tempo de Arya aprender os
costumes de uma corte do Sul. Dentro de poucos anos
também ela estará em idade de casar.
Sansa brilharia no Sul, pensou Catelyn para si própria, e os
deuses bem sabiam como Arya precisava de requinte.
Relutantemente, abriu mão delas no coração. Mas Bran não.
Bran nunca.
- Sim - disse -, mas, por favor, Ned, pelo amor que me tem,
deixe que Bran fique aqui em Winterfell. Ele só tem sete
anos.
- Eu tinha oito quando meu pai me enviou para ser criado no
Ninho da Águia - ele respondeu. - Sor Rodrik me disse que
existem maus sentimentos entre Robb e o Príncipe Joffrey.
Isto não é saudável. Bran pode construir uma ponte sobre
essa distância. É um rapaz amável, rápido para rir, fácil de
amar. Deixe que cresça com os jovens príncipes, deixe que se
torne seu amigo como Robert se tornou meu. Nossa Casa
ficará mais segura assim.
Ele tinha razão, e Catelyn sabia. Mas isto não tornava a dor
mais fácil de suportar. Então perderia todos os quatro: Ned e
ambas as meninas, e o seu doce, amoroso Bran. Só lhe
restariam Robb e o pequeno Rickon. Já se sentia só.
Winterfell era um lugar tão vasto.
- Então mantenha-o longe das muralhas - ela disse com
bravura. - Você sabe como Bran gosta de escalar.
Ned secou-lhe as lágrimas nos olhos com beijos, não lhes
dando tempo de cair.
- Obrigado, senhora minha - murmurou. - Isto é duro, bem
sei.
- E quanto ajon Snow, senhor? - perguntou Meistre Luwin.
Catelyn retesou-se ao ouvir a menção ao nome. Ned sentiu a
ira nela e afastou-se.
Muitos homens eram pais de bastardos. Catelyn crescera com
esse conhecimento. Não tinha sido surpresa para ela, no
primeiro ano do casamento, saber que Ned fora pai de uma
criança nascida de uma mulher qualquer, encontrada por
acaso em campanha. Afinal de contas, tinha as necessidades
de um homem, e os dois tinham passado aquele ano
afastados, com Ned no Sul, na guerra, enquanto ela
permanecia em segurança no castelo do pai, em Correrrio.
Seus pensamentos iam mais para Robb, o bebê que
amamentava, do que para o marido, que pouco conhecia.
Qualquer consolo que ele encontrasse entre batalhas era-lhe
indiferente, e se algum bebê vingasse, ela esperava que Ned
assegurasse as necessidades da criança.
Ele fez mais do que isso. Os Stark não eram como os outros
homens. Ned trouxe o bastardo para casa consigo e chamou-o
de "filho" para que todo o Norte ouvisse. Quando as guerras
enfim terminaram e Catelyn viajou para Winterfell, Jon e sua
ama de leite já tinham estabelecido residência.
O golpe foi profundo. Ned não falava da mãe, nem uma
palavra, mas um castelo não tem segredos, e Catelyn escutou
suas aias repetirem histórias que tinham ouvido dos maridos
soldados. Segredavam sobre Sor Arthur Dayne, a Espada da
Manhã, o mais mortífero dos sete cavaleiros da Guarda Real
de Aerys, e sobre o modo como seu jovem senhor o tinha
matado em combate singular. E contavam como Ned levara
depois a espada de Sor Arthur à bela jovem irmã que o
esperava num castelo chamado Tombastela, na costa do Mar
do Verão. A Senhora Ashara Dayne, alta e de pele clara, com
assombrosos olhos cor de violeta. Levara uma quinzena para
reunir coragem, mas, por fim, uma noite na cama, Catelyn
perguntara ao marido se aquilo era verdade, confrontando-o
com a história.
Fora a única vez em todos os anos passados juntos em que
Ned a assustara.
- Nunca me pergunte sobre Jon - ele dissera, frio como gelo. -
É do meu sangue, e é tudo o que precisa saber. E agora vou
saber onde ouviu esse nome, minha senhora - ela tinha jurado
obedecer. Cumprira a promessa. E a partir daquele dia os
segredos pararam, e o nome de Ashara Dayne nunca mais
voltou a ser ouvido em Winterfell.
Quem quer que tivesse sido a mãe de Jon, Ned devia tê-la
amado ferozmente, pois nada do que Catelyn dizia era capaz
de convencê-lo a mandar o rapaz embora. Era a única coisa
que nunca lhe perdoaria. Tinha acabado por amar o marido
de todo o coração, mas nunca encontrara em si lugar para
amar Jon. Por Ned, poderia ter ignorado uma dúzia de
bastardos, desde que fossem mantidos longe de sua vista. Jon
nunca estava longe da vista, e à medida que crescia ficava
mais parecido com o pai do que qualquer um dos filhos
legítimos que lhe dera. De algum modo isso tornava as coisas
piores.
- Jon tem de ir - ela dizia agora.
- Ele e Robb são próximos - disse Ned. - Tive esperança...
- Ele não pode ficar aqui - disse Catelyn, interrompendo-o. - É
seu filho, não meu. Não o quero aqui - ela sabia que era duro,
mas não menos verdade por isso. Ned não faria bem algum ao
rapaz deixando-o em Winterfell.
O olhar que Ned lhe deitou foi de angústia.
- Sabe que não posso levá-lo para o Sul. Não haverá lugar
para ele na corte. Um rapaz com nome de bastardo... Sabe o
que dirão dele. Será posto de lado.
Catelyn fortificou o coração contra o apelo mudo nos olhos do
marido.
- Diz-se que seu amigo Robert foi pai de uma dúzia de
bastardos.
- E nenhum deles foi algum dia visto na corte! - exclamou
Ned. - A Lannister assegurou-se disso. Como pode ser tão
cruel, Catelyn? Ele não passa de um rapaz. Ele...
Ele tinha a fúria no corpo. Poderia ter dito mais, e pior, mas
Meistre Luwin intrometeu-se:
- Outra solução se apresenta - disse, com voz calma. - O vosso
irmão Benjen veio há alguns dias falar-me de Jon. Parece que
o rapaz aspira a vestir negro.
Ned pareceu chocado.
- Ele pediu para se juntar à Patrulha da Noite?
Catelyn nada disse. Que Ned trabalhe sozinho a ideia em sua
mente; sua voz não seria agora bem-vinda. Mas de bom grado
teria beijado o meistre naquele momento. Aquela era a
solução perfeita. Benjen Stark era um Irmão Juramentado.
Jon seria para ele um filho, o filho que nunca teria. E a seu
tempo, o rapaz faria também o juramento. Não seria pai de
filhos que poderiam um dia competir com os netos de Catelyn
pela posse de Winterfell.
Meistre Luwin disse:
- Existe grande honra no serviço na Muralha, senhor.
- E mesmo um bastardo pode erguer-se a grande altura na
Patrulha da Noite - refletiu Ned. Apesar disso, sua voz estava
perturbada. - Jon é tão novo. Se o tivesse pedido depois de ter
se tornado homem feito, seria uma coisa, mas um rapaz de
catorze anos...
- É um sacrifício duro - concordou Meistre Luwin. - Mas estes
são tempos duros, senhor. O caminho dele não é mais cruel
que o vosso ou o da vossa senhora.
Catelyn pensou nos três filhos que teria de perder. Não foi
fácil se manter em silêncio. Ned virou-lhes as costas para
olhar pela janela, com o longo rosto silencioso e pensativo.
Por fim, suspirou e voltou a virar-se.
- Muito bem - disse a Meistre Luwin. - Suponho que é o
melhor. Falarei com Ben.
- Quando devemos dizê-lo ajon? - perguntou o meistre.
- Quando tiver de ser. Há que se fazer preparativos. Passará
uma quinzena antes de estarmos prontos para partir. Prefiro
deixar Jon usufruir destes últimos dias, O fim do verão já está
próximo, e o da infância também. Quando o momento certo
chegar, comunicarei a ele eu próprio.
Humberto Lopes
Humberto Lopes
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