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Se Houver Amanhã - Capítulo 7

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Mensagem por Humberto Lopes Sáb Out 06, 2012 6:03 pm

7
O tempo perdeu todo o significado. Nunca havia luz na cela e assim
não havia qualquer diferença entre dia e noite. Ela não tinha a menor idéia
do tempo a que estava no confinamento solitário. De vez em quando lhe
empurravam refeições frias por uma abertura na base da porta. Tracy não
sentia apetite, mas forçava-se a comer cada porção. Tem de comer ou não
vai durar muito aqui. Ela compreendia isso agora; sabia que precisaria de
todas as suas energias para o que planejava fazer.
Encontrava-se numa situação que qualquer outra pessoa
consideraria desesperadora: condenada a 15 anos de prisão, sem dinheiro,
sem amigos, sem recursos de qualquer tipo. Mas havia uma fonte profunda
de força dentro dela. Eu sobreviverei, pensou Tracy. Enfrento meus inimigos
nua e minha coragem é meu escudo. Sobreviveria como seus ancestrais
haviam sobrevivido. Nela se misturava o sangue do inglês, irlandês e
escocês, herdara o melhor de suas qualidades, a inteligência, a coragem e a
determinação. Meus ancestrais sobreviveram à fome, pragas e inundações.
Eu sobreviverei, a isto. Estavam com ela agora naquela cela do inferno, os
pastores e caçadores, os camponeses e mercadores, os médicos e
professores. Os fantasmas do passado e todos eram uma parte dela. Não os
desapontarei, sussurrou Tracy para a escuridão.
Ela começou a planejar sua fuga.
Tracy sabia que a primeira coisa que precisava fazer era recuperar a
força física. A cela era apertada demais para exercícios amplos, mas
suficientemente grande para o t'ai chi ch'uan, a arte marcial milenar que
era ensinada aos guerreiros que se preparavam para o combate. Os
exercícios exigiam pouco espaço e acionavam todos os músculos do corpo.
Tracy levantou-se e executou os movimentos iniciais. Cada movimento
possuía um nome e um significado. Ela começou pelo agressivo Socando os
Demônios, passou para o Acumulando Luz, mais suave. Os movimentos
eram fluidos e graciosos, executados bem devagar. Cada gesto provinha do
tan tien, o centro psíquico; todos os movimentos eram circulares. Tracy
podia ouvir a voz de seu mestre: Desperte a sua chi, a sua energia vital.
Começa pesada como uma montanha e se torna leve como a pena de um
pássaro. Tracy podia sentir a chi fluindo por seus dedos. Concentrou-se até
que todo o seu ser se focalizava em seu corpo se movimentando através de
padrões eternos.
Agarre a cauda da ave, torne-se a cegonha branca, repila o macaco,
enfrente o tigre, deixe as mãos se tornarem nuvens e circule a água da vida.
Deixe a serpente branca rastejar e monte no tigre. Abata o tigre, reuna a sua
chi e volte ao tan tien, o centro.
O ciclo completo levou uma hora; quando acabou, Tracy estava
exausta. Efetuava o ritual pela manhã e à tarde, até que o corpo começou a
reagir, foi se tornando forte.
Quando não estava exercitando o corpo, Tracy exercitava a mente.
Deitada no escuro, Efetuava complexas equações matemáticas, operava
mentalmente o computador do banco, recitava poesia, recordava as falas
de peças em que participara na escola. Era um perfeccionista. Quando
obtinha um papel numa peça em que exigia usar sotaques diferentes,
estudava esses sotaques por semanas, antes que a peça fosse apresentada.
Um caçador de talentos a abordara certa vez, oferecendo-lhe um teste para
o cinema em Hollywood.
─ Não, obrigada ─ respondera Tracy. ─ Não quero a fama. É uma
coisa que não me serve.
A voz de Charles: Você é a manchete no Dady News desta manhã.
Tracy afastou a recordação. Havia portas em sua mente que tinham
de permanecer fechadas por enquanto.
Ela lançou-se ao jogo do ensino: Indique três coisas absolutamente
impossíveis de ensinar.
Ensinar a uma formiga a diferença entre católicos e protestantes.
Fazer uma abelha compreender que é a terra que viaja em torno do
sol.
Explicar a um gato a diferença entre comunismo e democracia.
Mas ela se concentrava principalmente na maneira como destruiria
seus inimigos, um de cada vez. Lembrou-se de um jogo que fazia quando
era pequena. Levantando uma das mãos para o céu, era possível bloquear
o sol, apagá-lo por completo. Era o que haviam feito com ela. Levantaram a
mão e apagaram a sua vida.
Tracy não tinha idéia de quantas prisioneiras haviam sido quebradas
pelo confinamento, na solitária e isso também não faria diferença para ela.
No sétimo dia, quando a porta da cela foi aberta, Tracy ficou ofuscada pela
súbita luz que inundou a cela. Um guarda estava parado do lado de fora.
─ Levante-se. Você vai subir agora.
Ele se inclinou para ajudar Tracy. Contudo, para sua surpresa, ela
se levantou facilmente e saiu da cela sem qualquer ajuda. As outras
prisioneiras que tirara da solitária saíam abaladas ou com uma atitude de
desafio, mas aquela não exibia qualquer das duas reações. Havia nela uma
aura de dignidade, uma confiança que não condizia com aquele lugar.
Tracy parou na claridade, deixando que os olhos gradativamente se
acostumassem. É uma mulher e tanto, pensou o guarda . Com uma boa
limpeza, dá para se levá-la a qualquer lugar. E aposto que ela faria qualquer
coisa por uns poucos de favores. Em voz alta, ele disse:
─ Uma garota bonita como você não deveria passar por esse tipo de
coisa. Se nós fôssemos, amigos, eu cuidaria para que, isso nunca mais
acontecesse.
Tracy virou-se para fitá-lo; quando o guarda viu a expressão em seus
olhos, decidiu prontamente não insistir.
Ele acompanhou Tracy até lá em cima e entregou-a a uma inspetora,
que farejou por um instante e murmurou:
─ Deus do céu, como você fede! Vá tomar uma chuveirada. E
queimaremos estas roupas.
A água fria estava maravilhosa. Tracy ensaboou os cabelos, esfregouse
vigorosamente da cabeça aos pés com o sabão áspero. Enxugou-se e
vestiu-se. A inspetora estava à sua espera:
─ O diretor quer falar com você.
Na última vez em que ouvira essas palavras, Tracy pensara que
significassem a liberdade. Nunca mais seria tão ingénua.
O diretor Brannigan estava de pé junto a uma janela quando Tracy
entrou em sua sala. Ele virou-se e disse:
─ Sente-se, por favor. ─ Tracy ocupou uma cadeira. ─ Estive em
Washington numa conferência. Voltei esta manhã e encontrei um relatório
sobre o que aconteceu. Você não deveria ter sido confinada na solitária.
Ela o observava atentamente, o rosto impassível não traindo coisa
alguma. O diretor olhou para um papel em sua mesa.
─ Segundo este relatório, você foi agredida por companheiras de cela.
─ Não, senhor.
Brannigan acenou com a cabeça, uma expressão de compreensão.
─ Entendo o seu medo, mas não posso permitir que as reclusas
comandem esta prisão. Quero punir quem fez isso com você, mas preciso
do seu testemunho. Providenciarei para que seja devidamente protegida.
Quero agora que me conte o que aconteceu exatamente e quem foram as
responsáveis.
Tracy fitou-o nos olhos.
─ Fui eu. Cai do catre.
O diretor estudou-a por um longo tempo e ela percebeu o
desapontamento em seu rosto.
─ Tem certeza?
─ Tenho, sim, senhor.
─ Não vai mudar de idéia?
─ Não, senhor.
Brannigan suspirou.
─ Está bem. Se é essa a sua decisão, mandarei transferi-la para outra
cela...
─ Não quero ser transferida.
Ele ficou surpreso.
─ Está querendo dizer que pretende voltar à mesma cela?
─ Isso mesmo, senhor.
O diretor ficou perplexo. Talvez houvesse se enganado em relação a
ela; talvez ela tivesse atraído o que lhe acontecera. Só Deus sabia o que
aquelas malditas presas estavam pensando ou fazendo. Ele gostaria de ser
transferido para alguma penitenciária de homens, boa e sã. Mas a esposa e
Amy, a filha pequena, gostavam dali. Residiam num chalé encantador,
havia um terreno aprazível em torno da prisão. Para elas, era como viver no
campo; mas ele, no entanto, tinha de lidar com aquelas mulheres doidas
24 horas por dia. O diretor olhou a mulher à sua frente e murmurou,
contrafeito:
─ Muito bem. Mas trate de se manter longe de encrencas no futuro.
─ Está certo, senhor.
Voltar à cela foi a coisa mais difícil que Tracy já fizera. Foi dominada
pelo horror do que acontecera ali no momento em que entrou. As
companheiras de cela estavam ausentes, no trabalho. Tracy deitou no catre
e ficou olhando para o teto, planejando. Finalmente se inclinou para baixo
do catre e arrancou um pedaço de metal solto no lado. Escondeu-o por
debaixo do colchão. Quando soou a campainha do almoço, Às 11 horas,
Tracy foi a primeira à entrada na fila do corredor.
No refeitório, Paulita e Lola sentaram-se a uma mesa perto da
entrada. Não havia qualquer sinal de Ernestine Littlechap.
Tracy escolheu uma mesa ocupada por estranhas, sentou e comeu
toda a refeição insípida. Passou o início da tarde sozinha na cela. As três
companheiras de cela voltaram Às 2:45. Paulita sorriu de surpresa quando
viu Tracy.
─ Então voltou para nós, coisinha bonita. Gostou do que lhe fizemos,
hem?
─ Isso é ótimo ─ disse Lola. ─ Temos mais para você.
Tracy não deu qualquer indicação de que ouvira as zombarias.
Estava se concentrando na preta. Ernestine Littlechap era o motivo
para Tracy voltar àquela cela. Tracy não confiava absolutamente em
Ernestine. Mas precisava dela.
─ Vou lhe dar um aviso, querida. Ernestine Littlechap manda naquele
lugar...
Naquela noite, quando a campainha assinalou o prazo de 15 minutos
antes das luzes apagarem, Tracy levantou-se do catre o começou a despirse.
Não houve agora falso recato. Tirou todas as roupas. A mexicana deixou
escapar um assobio longo e baixo ao contemplar os seios cheios e firmes de
Tracy, as pernas compridas e bem torneadas, as coxas roliças. Lola
respirava fundo. Tracy pôs uma camisola e deitou-se de costas no catre. As
luzes se apagaram. A cela mergulhou na escuridão.
Trinta minutos se passaram. Tracy permaneceu imóvel, escutando a
respiração das outras. Do outro lado da cela, Paulita sussurrou:
─ Mamãe vai lhe dar um amor de verdade esta noite, meu bem. Tire a
camisola.
─ Vamos ensinar você a chupar uma cona e terá de fazer até
aprender direito ─ murmurou Lola, soltando uma risadinha.
Ainda não havia qualquer palavra da preta. Tracy sentiu o
movimento quando Lola e Paulita se aproximaram. Mas estava pronta para
elas. Levantou o pedaço de metal que escondera e golpeou com toda a
força, atingindo uma das mulheres no rosto. Houve um grito de dor. Tracy
desferiu um chute no outro vulto, que caiu no chão.
─ Cheguem perto de mim outra vez e eu as matarei ─ disse Tracy.
─ Sua puta!
Tracy ouviu─ as avançarem de novo em sua direção e levantou o
pedaço de metal. A voz de Ernestine soou abruptamente na escuridão:
─ Já chega, Deixem a garota em paz.
─ Estou sangrando, Ernie. Vou dar um jeito nela...
─ Pare de merda e faça o que estou mandando.
Houve um longo silêncio. Tracy ouviu as duas mulheres voltaram a
seus catres, a respiração ofegante. Ela continuou deitada, tensa, pronta
para o próximo movimento delas. Ernestine Littlechap disse:
─ Você tom coragem, menina.
Tracy ficou em silêncio.
─ Não contou nada ao diretor. ─ Ernestine riu baixinho na escuridão.
─ Se tivesse falado, seria carne morta.
Tracy acreditava nela.
─ Por que não deixou que o diretor a transferisse para outra cela.
Então ela sabia até disso.
─ Eu queria voltar para cá.
─ É mesmo? Por quê?
Havia um tom de perplexidade na voz de Ernestine Littlechap. Aquele
era o momento que Tracy estava esperando.
─ Porque você vai me ajudar a fugir daqui.
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